Pão com Melancia
- Lorenzo Franchi
- 17 de nov. de 2019
- 3 min de leitura

O ano era 2009. Barack Obama toma posse como primeiro presidente negro dos Estados Unidos. O mundo em choque: na Áustria, pai é acusado de trancar filha num porão por 24 anos e ter com ela sete filhos. Lula é aclamando “homem do ano”. Irã e Coreia do Norte dissipam medo nuclear. O Adeus do Rei do Pop... Fatos importantes, mas que naquele momento nenhum acontecimento da história me tirava mais o sono do que a dúvida entre a bola e o caderno. Deveria eu calçar chuteiras ou manusear microfone, bloco e caneta?
A resposta veio nas férias escolares, na casa da Dona Helena. Não tem lugar melhor do que a casa dos nossos avós, não é mesmo?! O abraço apertado, o beijo estalado, a mesa farta... Nossa! Chego a ficar com água na boca só de lembrar as mais variadas bolachas e acompanhamentos que estavam sempre a nossa espera. Na casa da vó a gente pode (quase) tudo!
Como era bom passar aqueles dias sem neura nem beira onde a preocupação era correr, brincar, fugir dos quero-queros, fazer amigos e ser feliz! Minha avó, a dona Helena, morava em um distrito, no interior de Júlio de Castilhos/RS, próximo ao município de Nova Palma/RS. Ela tinha a companhia do tio Jorginho, um caricato e simpático mecânico, que retornou ao lar para fazer companhia à nona após o falecimento do vô “Toni”, em 2003. Minha avó era dessas anciãs respeitadas por todos. Foi educadora, trabalhou na igreja da comunidade, mas sempre será lembrada como a “tia Helena da merenda”. Um orgulho para ela (e nós)!
Como cozinhava aquela senhora... Criava receitas por pura intuição. O fogão a lenha sempre bufando fazia as panelas dançarem. O olhar era atento para cuidar o fogo acesso desde as 6h, caprichava nos doces, salgados, o que fosse sempre uma delícia! Foi ela quem me ensinou a cozinhar. E nessas experiências de ensinar e aprender, a vó chamou para o lanche da tarde: era melancia gelada na sombra, no canto da casa, onde uma cortina de vento bate o dia inteiro.
Sentados no chão, eu e meus irmãos esperávamos ansiosos pelos doces pedaços. Entre uma bocada e outra, uma conversa. Me levanto vou na cozinha e busco um saco de pão. Queria retribuir tantos ensinamentos. Aprendi com a minha outra vó, a Bia, o quão gostoso era comer a fruta acompanhada. Mostrei: uma mordida na melancia e outra no pão. Vamos vó, é a sua vez?!, disse. Encorajada ela experimentou... Gostou!
Aproveitando a sombra ao lado da casa seguimos nossa conversa. Ela curiosa, como sempre, questiona a mim e meus irmãos sobre o futuro: “Mais três anos e vocês estarão na faculdade... Tem que estudar”, incentivava. “Pois é, temos que nos decidir ainda. São muitas opções”, respondi. Recordo-me que meu irmão após abandonar o projeto “jogador de futebol” queria ser cirurgião plástico, minha irmã dentista, eu seguia na dúvida.
No desenrolar do papo, dona Helena fala sobre felicidade, realização e sonhos, mas também fala em legado. “Façam o que deixa vocês felizes. No final das contas, o que a gente leva da vida são as histórias”. Foi isso. Histórias. Contar, vive-las. Fazem 10 anos que defini minha carreira. Sigo motivado e com convicção de que fiz a escolha certa.
Minha avó, infelizmente nos deixou em abril deste ano. Se tornou estrela, dona de um sorriso imbatível emoldurado na minha estante. Sorridente e positiva deixou sua mensagem: o amor pela vida, pelas história, das contava e viveu. Tu segues como uma grande inspiração, dona Helena. Minha grande parceira de gaitadas e, claro, pão com melancia. Muita luz, minha nona.
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