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Não é só um cachorro


Muitos me perguntam por que gosto tanto desse cachorro gordo, preto de rabo cotoco. Ah, são tantas recordações, tantos motivos que fica difícil transcrever um. A história dele se confunde com a da Kika. Aliás, tem uma breve ajuda dela.

Certa vez, em um feriado, não lembro o qual, tive de ir comprar ração em uma agropecuária próxima a minha casa. Lá, percebo uma placa: “Doa-se filhotes de labrador mestiço com dálmatas, contato XXX”. Sabendo que meu avô morava sozinho e, como gosto muito de cachorros, anotei o número.

Cheguei em casa correndo. Contei para mãe da ideia, que em seguida ligou para o vô Luiz. Peguei o telefone, argumentei, ele só ria. Era minha deixa.

Na casa da senhora que ofertara dar os animais, fomos recebidos por meia dúzia de filhotes pretinhos, como carvão. Seus pais, de fato um labrador e um dálmata latiam estranhando o movimento. Nossa estada ali foi curta, cerca de 5 minutos. Não tínhamos dúvidas. Era ele, o Guri. O mais brincalhão, o único macho da cauda curta. Vou confessar, queria um de rabo comprido, mas cedi tamanho carisma daquele pequeno e, claro, explanação da dona Marisa.

Seu Luiz era um senhor quieto. Afinal, muita coisa mudou dos anos 2000 para cá. Sua parceira, sua alma gêmea, a mãe dos seus filhos, partira. a vovó Bia se foi e deixou lacunas jamais fecundadas. Ele permaneceu forte, mas sempre com o pensamento longe... Nela.

A família Franchi é grande, unida, de encher a casa e a mesa. Me orgulho de ser o neto que posava sozinho com ele. Sempre nas viradas do ano, ou em períodos esporádicos das férias ia para conversar e dividir o serviço do sítio. Me vangloriava em cortar uma grama, fazer um omelete, fritar um ovo,ou ao dar comida para os "bichos".

Meu avô levava a vida ao seu tempo. Acordava cedo, mas engana-se quem pensa que é 8h, 9h, acordava ao som dos galos, dos passarinhos, antes de raiar o sol, junto com orvalho ainda gelado na grama, a cerração baixa, o vento que assobiava ao encontrar as laranjeiras, bergamoteiras e pinheiros. Levanta cedo por prazer a contemplar seu pedaço do paraíso. Sim, a terra que escolheu para semear batata e fixar raízes é de rara riqueza, singular aos olhos divinos.

No sábado seguinte levamos o presente. O Guri foi recebido com muito carinho. Agora ele fazia companhia não mais aos seus irmãos, mas a gatos, três collings de pelo dourado, gansos, porcos, vacas e, ao vô pequeno.

Ele sabia cuidar, dar atenção. Em poucos dias eram um só. Um seguia o outro. Com muito respeito. Se o seu Luiz está na cozinha, o seu parceiro acompanha, na porta, do lado de fora. Ao repousar, o guri está lá, de guarda, na janela de quarto.

O cachorro não era só mais um animal. Era minha forma de ser cada vez mais presente, mesmo longe. O Guri foi parte das desculpas para ter ido a Linha Seis Sul, uma comunidade de Silveira Martins.

Mas, nem tudo é risos. Há três anos, meu avô, nos deixou, sem me despedir. Ainda lacrimejo ao lembrar que no final de semana anterior reivindicava que teríamos de ir “para fora”, queria mostrar que aprendi a fazer outros omeletes (minha especialidades).

Seu Luiz Franchi, partiu com 75 anos. Cabeça dura, não deixou de fumar conforme orientação médica e, por ironia, morreu com o “pito” em mãos, frente ao gol, em um campo de futebol na propriedade. Deixou amigos, familiares, um sítio e muitos animais com saudade.

Guri chorou. Uivou por dias. Sentia a perda do amigo.

Hoje, ele, o guri, mora comigo. As vezes parece falar. Basta eu chegar em casa que se assanha todo e, como quem não quer nada, senta pedindo um abraço. O afago, jamais negado, sempre é retribuído de uma ronronada e um leve deitar de cabeça no meu ombro. Como eu fazia, no meu avô.

Gosto de pensar que ele é um anjo, enviado pelo senhor(vô Luiz) para nos proteger. Eu sempre vou lembrar de ti, meu pequeno, vô Luiz.


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Um transeunte

 

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