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O Pé de Trapo


É engraçado. Parece que estou fadado a encontrar figuras ilustres, exemplos do cotidiano. Pessoas simples, com histórias magníficas, gigantes. Mendigos, senhores, senhoras, “bêbados”, carentes, empresários, enfim, seres humanos distintos que nos tiram da inércia, do abismo de uma zona de conforto e que fazem, até mesmo, a própria natureza contemplar e se por a aplaudir, dia após dia.

Não era para eu ir, mas o outro repórter teve um percalço, logo me ofereci. Era um protesto dos camelôs, frente ao Shopping Popular de Santa Maria. Local de grande movimentação, um entra e sai constante de transeuntes e mercadorias.

Cheguei a “tal manifestação”, que era apenas um prenúncio para o que viria ao meio dia, horário de saída do prefeito do seu gabinete. Após conversar com todos os comerciantes que ali se reuniam, fui fotografar algumas placas ilustrativas para compor a pauta.

Entre um clique e outro, um senhor brinca comigo: “aposto que você está fotografando, meu amigo. Acertei?”. Olhei para o lado, pois queria saber quem havia disparado o comentário. Encontro um senhor, negro, baixinho, com trajes casuais coberto de um sorriso reluzente, que fazia parecerem tímidos os raios do Sol.

Sorri, e retruquei: encontrei o modelo que estava procurando para minhas fotos: o senhor!

Ele se esquivou:

- “Eu? Não estou bonito hoje. Marcamos outra data. Pode ser?”.

Tive de ir cumprimentá-lo. Enquanto esperava o motorista da empresa ir me buscar, conversamos. O bate papo que durou cerca de 10 minutos foi acompanhado de olhares tortos, alguns cochichos e comentários, mas nada nos atrapalhou.

Na Praça Saldanha Marinho, próximo ao palco, ele se apresentou. Fábio, 75 anos, profissão “pé de trapo”. Estudou até o terceiro ano do maternal, ou terceira série, nos dias atuais. De política a esporte, dos camelôs a inflação do dólar, ele sabia de tudo.

Se faltou estudou, não falta conhecimento, muito menos educação aquele senhor que carrega invejável carapuça em tons de névoa, marcas da idade.

Ele sorria, falava, explanava. Tal qual político. Contou das dádivas da juventude, dos conselhos do seu pai que veementemente dizia: “estuda!”. A história que passou pelas dificuldades da infância, pela graça dos desvaneios até chegar a suas maiores conquistas: seus filhos, todos formados.

Ainda lembro, faltaram dentes para aquela boca, que orgulhosa falava: “posso deixar o mundo, pois encaminhei meus filhos. Vi eles conquistarem tudo, ser gente. Deus me deu essa alegria, e está me dando mais essa oportunidade de ver meus netos seguirem o mesmo caminho.

Estava encantado com aquele sujeito "pé de trapo", afinal, o que é pé de trapo?

Segundo ele, é estar pronto para tudo. É encarar a vida como ela se apresenta, sem deixar escapar as oportunidades. É também trabalho, suor, amor, carinho e, claro, felicidade.

De agora em diante, eu também serei um "pé de trapo". Combinado, seu Fábio?

Me despedi com um abraço. Ao virar de costas ouço: "meu filho, tem que ser bonito e ter carisma. Nos vemos em uma próxima. E, não se esqueça de me cumprimentar".

Jamais vou me esquecer do senhor, o risonho "pé de trapo".

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Um transeunte

 

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